NA década de 1980, quando o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) foi identificado, chegou a falar-se de uma vacina em dois anos. Passaram mais de 40 e essa via para a cura ainda não se concretizou. Ainda assim, a investigação deu muitas pistas para outras infeções, incluindo recentemente para a covid-19.
O VIH/SIDA é a pandemia que ainda não teve fim. Mas será que, décadas depois, sabemos explicar o que faz este vírus ao nosso corpo? De uma forma simples, segundo os especialistas, é isto: infeta as células responsáveis pelo nosso sistema imunitário, atacando um tipo de glóbulos brancos conhecido como células CD4.
“O VIH não só infeta a célula como se incorpora dentro do ADN da célula, criando um reservatório que nós não conseguimos, de facto, eliminar. Isso faz com que não tenhamos uma cura na mão. Temos a possibilidade de suprimir o vírus, fazendo com que as pessoas recuperem de novo as suas defesas. Mas não conseguimos eliminar o vírus dentro desse reservatório”, aponta Robert Badura, médico e investigador no GIMM – Gulbenkian Institute for Molecular Medicine.
Eugénio Teófilo, médico infeciologista no Hospital Santo António dos Capuchos, completa: “o sistema imunitário consegue reconhecer que há um invasor, mas não consegue destruir, está permanentemente em ativação. Essa ativação, sabe-se hoje, está muito relacionada com a inflamação em geral, provocando doença nos órgãos, no coração, nos rins, no cérebro. É um processo inflamatório crónico que nós não conseguimos ainda totalmente dizimar. Mesmo as pessoas com cargas virais indetetáveis têm um processo inflamatório mais elevado do que uma pessoa sem VIH”.
Da vacina aos reservatórios
O mundo andou à procura da vacina para o VIH/SIDA. Multiplicaram-se os testes e os voluntários, mas, até agora, nenhuma surtiu o efeito desejado. E daí que a investigação nesta área se vire também para um outro caminho para a cura: a destruição dos reservatórios de vírus nas nossas células, que podem estar adormecidos durante longos anos. Basta suspender a medicação retroviral para que ele volte a ganhar força.
“O nosso problema básico é que não conseguimos eliminar o vírus do reservatório. O vírus persistente causa um processo inflamatório que, ao longo do tempo, poderá ter consequências para o doente, mesmo suprimido”, atesta Robert Badura, acrescentando ainda como a investigação procura determinar os “fatores-chave que levam o processo inflamatório a persistir”.
“Conseguirmos destruir os reservatórios é importante. É o único passo que, até hoje, temos para a cura”, resume Eugénio Teófilo.
A cura já encontrada, mas com preço demasiado alto
Talvez já se tenha cruzado com notícias de casos de cura do VIH/SIDA. Não são falsas. Há efetivamente, até ao momento, sete casos de pessoas que conseguiram eliminar este vírus do seu corpo. Contudo, o caminho seguido pela ciência não pode ser aplicados a todos aqueles que vivem com esta infeção.
Em causa estiveram pacientes que, além de serem portadores do VIH, tiveram também leucemia. Para tratar esta última doença, foram sujeitos a um transplante de medula óssea. Simplificando, com o tratamento de quimioterapia, radioterapia e esse transplante foi como se tivessem ganhado um sistema imunitário novo e, logo, livre do vírus. “Vai repovoar a pessoa e cria um sistema imunitário novo”, sintetiza Eugénio Teófilo.
“A única forma que temos de curar o VIH, que é fazer um transplante de medula óssea, não é exequível. É algo complexo, caríssimo e com riscos elevados para a saúde das pessoas. Pode ter um risco de morte até 30%. Quando temos uma doença, que já não achamos sequer que é uma doença, mas antes uma infeção crónica, não vamos colocar a pessoa em risco só para dizer que ficou curada”, argumenta Eugénio Teófilo.
O médico infeciologista acrescenta que há um “truque” que já tem sido tido em conta. “Há pessoas que têm uma alteração dos linfócitos CD4, que as torna imunes ao VIH. O truque foi escolher dadores compatíveis com estas pessoas que fazem transplante de medula óssea que têm essa mutação dos linfócitos CD4. Dá-se um sistema imunitário que é imune ao VIH”.
2030: fim do VIH/SIDA como problema de saúde pública?
A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) já definiram o objetivo: fazer com que o VIH/SIDA deixe de ser um problema de saúde pública até 2030, ou seja, dentro de cinco anos.
Para tal, fixam-se três metas: diagnosticar 95% das pessoas com VIH, ter 95% dessas pessoas em tratamento e 95% das pessoas infetadas com carga viral suprimida. Em Portugal, segundo a informação oficial, o primeiro objetivo está já concretizado.
No mundo existem praticamente 40 milhões de pessoas a viver com o VIH. Uma em cada quatro não está a receber o tratamento necessário. Por minuto, morre uma pessoa à custa desta infeção.
Todos, sejam eles pacientes ou médicos, olham para a meta com expectativa. Mas, tendo em conta o panorama global, reconhecem que vai ser difícil concretizá-la, devido às assimetrias regionais. “Há muito trabalho pela frente. A meta é corajosa. Necessitamos de vontade política à volta disso, de um compromisso que não se afrouxa”, aponta Robert Badura.
A cura utópica: evitar novas infeções apostando na prevenção
Há uma outra forma de eliminar o VIH/SIDA. Utópica, mas ainda assim um caminho. Chama-se cura populacional. “Se conseguíssemos que mais ninguém se infetasse, a infeção ia acabar quando as pessoas que estão vivas e têm VIH morressem. Se não houvesse novas infeções, extinguia-se daqui a décadas. E isso seria um sucesso”, descreve Eugénio Teófilo.
Para evitar novas infeções, entra em cena a prevenção combinada: o uso do preservativo, a testagem e a profilaxia pré e pós exposição.
No último ano de que há registo em Portugal, 2023, foram realizados 89 mil testes rápidos ao VIH. Tal revela-se importante porque, no caso da identificação de um positivo, é possível evitar novas cadeias de transmissão.
No SNS está também disponível, de forma gratuita, o acesso à profilaxia pré e pós exposição. A primeira, conhecida como PrEP, permite evitar novas infeções, sobretudo em pessoas cujos comportamentos sexuais podem aumentar o risco de contrair VIH. Por sua vez, a profilaxia pós exposição (PEP) funciona como uma espécie de pílula do dia seguinte para este vírus, devendo ser tomada até 72 horas após o contacto de risco – por exemplo, um ato sexual onde o preservativo rompeu. Durante 2023, quase duas mil pessoas recorreram a esta última forma de prevenção.
Os dados oficiais mostram que cerca de sete mil pessoas já tomam PrEP em Portugal. São, na sua vasta maioria, homens que têm sexo com homens. Contudo, este número, de 2023, pecará por defeito, uma vez que desde o verão de 2024 o acesso a esta terapêutica passou a ser possível através de mais especialidades médicas – como a Medicina Geral e Familiar – e o medicamento a ser disponibilizado nas farmácias comuns.
Até então, era preciso uma consulta específica em contexto hospitalar, com o medicamento apenas disponível nas farmácias dos próprios hospitais. Segundo as associações a trabalhar sobre este tema, a lista de espera para uma destas consultas pode chegar a um ano, prazo durante o qual alguns doentes acabam por se infetar.
A PrEP nunca deveria substituir o preservativo, porque ela não consegue proteger de outras infeções sexualmente transmissíveis, como a sífilis ou a gonorreia, cujo número de casos tem vindo a aumentar em Portugal. Os especialistas reconhecem que, em muitos casos, perante a sensação de segurança dada por esta terapêutica, existe uma relação entre a toma da PrEP e a não utilização do preservativo, sobretudo junto de homens que têm sexo com homens.
“Há um aumento da transmissão de infeções sexuais que estão associadas, muito provavelmente, ao uso da PrEP. Apesar de tudo, pondo as duas coisas na balança, é preferível que tenham gonorreia a uma infeção por VIH”, confirma Eugénio Teófilo.